Teatro Brasileiro – Origem do teatro brasileiro no século XVI
Em 21 de Abril de 1500, os portugueses ancoraram em águas tupiniquins, mas somente décadas depois da chegada desses europeus que podemos conceber a formação de uma estrutura organizada da manifestação dramática. Durante a primeira metade do século XVI, a presença dos portugueses na colônia visava apenas à definição do território, à produção de mapas, tratados, ao comércio mínimo de especiarias e ao relacionamento com os nativos.
Há relatos históricos que, desde a chegada dos primeiros jesuítas,enviados pela Igreja Católica para cumprir o projeto da contrarreforma, domínio e expansão do cristianismo na colônia, encenações foram feitas para estabelecer contato e aproximar as relações entre os padres e os indígenas. Contudo, somente em 1553, com a chegada do Padre José de Anchieta, confirmou-se por meio de relatos escritos o teatro como de catequização.
Os jesuítas entendiam o teatro como instrumento de catequese, dessa forma, a arte dramática, mesmo amadora, cumpria uma nobre missão no processo de conversão dos nativos. As encenações eram simples, seu conteúdo sempre possuía um fundo moral e caráter religioso, bem a maneira dos autos europeus medievais. As personagens eram os próprios índios já catequizados, ou alunos que entendiam a língua portuguesa, ou, ainda, padres que davam um tratamento mais estilizado e intenso à peça teatral.
José de Anchieta (1534-1597), maior representante jesuíta do teatro brasileiro, produziu, em 1567, o Auto da pregação universal que, composto em versos e propondo um tema simples, confronta o sagrado e o profano, conduzindo o olhar da plateia à aceitação natural de cristo, gerando a conversão e confirmação da fé no catolicismo. Observe o fragmento da peça a seguir:
Após a cena do martírio de São Lourenço, Guaixará chama Aimbirê e Saravaia para ajudarem a perverter a aldeia. São Lourenço a defende, São Sebastião prende os demônios. Um anjo anda-os sufocarem Décio e Valeriano. Quatro companheiros acorrem para auxiliar os demônios. Os imperadores recordam façanhas, quando Aimbirê se aproxima. O calor que se desprende dele abrasa os imperadores, que suplicam a morte. O Anjo, o Temor de Deus, e o Amor de Deus aconselham a caridade, contrição e confiança em São Lourenço. Faz-se o enterro do santo. Meninos índios dançam.
PRIMEIRO ATO
(Cena do martírio de São Lourenço)
Cantam:
Por Jesus, meu salvador,
Que morre por meus pecados,
Nestas brasas morro assado
Com fogo do meu amor
Bom Jesus, quando te vejo
Na cruz, por mim flagelado,
Eu por ti vivo e queimado
Mil vezes morrer desejo
Pois teu sangue redentor
Lavou minha culpa humana,
Arda eu pois nesta chama
Com fogo do teu amor.
O fogo do forte amor,
Ah, meu Deus!, com que me amas
Mais me consome que as chamas
E brasas, com seu calor.
Pois teu amor, pelo meu
Tais prodígios consumou,
Que eu, nas brasas onde estou,
Morro de amor pelo teu.
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Teatro Brasileiro no século XVII e XVIII
Durante o século XVII, a presença do teatro como ferramenta para a conversão dos índios e aceitação definitiva do cristianismo permaneceu. Os jesuítas representados por vários padres pregavam por meio da arte dramática em vilas, fazendas e aldeias. Dessa forma, esse teatro simples e eficaz, manifestou-se livremente em todo o território durante toda a formação da colônia.
A formação das cidades, em substituição às vilas típicas do primeiro século, dará outro tom à arte teatral. Não podemos esquecer que a economia extrativista foi substituída pela agricultura e cultivo da cana-de-açúcar, assim, o Nordeste começa a ganhar destaque aos olhos da metrópole.
O crescimento populacional, a economia da cana-de-açúcar, a organização das cidades e a formação de uma estrutura social contrastam com o cenário europeu de crise desenvolvido pelo Barroco e, ao mesmo tempo, a colônia se torna interessante aos outros países como a Holanda, gerando conflitos no território. Esse cenário confuso durante a Unificação Ibérica privilegia reflexões políticas e sociais, mas, infelizmente, não valoriza as artes dramáticas.
As manifestações teatrais se limitavam às produções ainda religiosas e outras poucas sociais. As peças valorizavam a língua espanhola e as influencias europeias eram constantes, com obras de Calderón de la Barca, Antonio de Solís e outros representando com muita timidez o teatro na colônia.
No século XVIII, o círculo do teatro amador cresceu no Brasil. Em 1733, a cidade de Mariana promoveu uma grande festa religiosa, representando peças sacras de vários autores. Infelizmente, a influência ainda é europeia e medieval por meio dos autos, mas a encenação já se destacava entre as variadas formas de arte.
As primeiras mudanças ocorridas na colônia vieram em meados do século XVIII e foram promovidas por transformações no contexto português. Em 1750, D. José I, ascendendo-se ao trono, buscou tornar seu país o centro do desenvolvimento artístico europeu e os reflexos desse projeto resvalaram no Brasil. Em 1760, foram construídas as primeiras Casas de Ópera na colônia. Vila Rica, Salvador, Recife e Rio de Janeiro receberam os teatros que tinham capacidade para até 400 pessoas.
Minas Gerais se destacou nesse período como novo centro de desenvolvimento. A economia da cana-de-açúcar no Nordeste foi suplantada pela economia do ouro no Sudeste. A província mineira concentrou o maior fluxo de indivíduos em busca de pedras preciosas e ouro, criando uma nova realidade e definindo os costumes na região de Vila Rica. Os jovens filhos dos mineradores, enviados a Portugal para estudar nas grandes universidades, retornam para o Brasil como médicos ou advogados, trazendo na bagagem o espírito transformador do século das luzes (Iluminismo). A colônia e as condições limitadas não permitiam o crescimento intelectual e social como desejavam.
A inspiração clássica dos jovens refletia na literatura Árcade, valorizando a mitologia, a simplicidade, a fuga para a natureza (bucolismo) e a idealização feminina. Claudio Manuel da Costa (1729-1789), influenciado por um dramaturgo italiano chamado Pietro Metastasio, traduziu sete de suas obras e escreveu O Parnaso Obsequioso, encenada em 1768. Veja o fragmento inicial da peça de Claudio Manuel da Costa.
PARA SE RECITAR em Música no dia 5 de dezembro de 1768, em que faz anos o Ilmo. e Exmo. Sr. D. JOSÉ LUIZ DE MENEZES, Conde de Valadares,Governador e Capitão General da Capitania de Minas Gerais e etc, por CLAUDIO MANUEL DA COSTA, Bacharel formado na Faculdade de Cânones, Acadêmico da Academia Litúrgica de Coimbra, e Criado pela Arcádia Romana, Vice-Custode da Colônia Ultramarina, com o nome de Glauceste Satúrnio e etc.
O PARNASO OBSEQUIOSO
DRAMA
Interlocutores
Apolo Clio
Mercúrio Talia
Calíope Melpomene
(A cena representa o monte Parnaso)
CORO
Mus. Já despede a fria noite
Toda a sombra, todo o horror;
Torna ao mundo o novo dia,
Que enche a terra de esplendor.
APOLO Douram-se os montes,
MERC. Riem-se os vales,
AMBOS Das claras fontes
Brilha o licor.
TODOS Oh! que alegre mudança que tudo…
2 MUS. Floresce…
2 MUS. Esclarece…
TODOS Na gala e na cor.
http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/_documents/0032-01285.html#O PARNASO OBSEQUIOSO
Teatro Brasileiro no século XIX
O século XIX já em seus primeiros anos vislumbrava uma grande transformação no cenário brasileiro. Em 1808, fugindo da ira napoleônica, depois de ter ajudado os ingleses a furar o Bloqueio Continental imposto pelos franceses, a família real portuguesa, liderada por seu príncipe regente, D. João VI, atravessa o atlântico em direção à colônia americana. Aqui chegando, em 7 de março do mesmo ano, começam uma tentativa de transformação e adequação do espaço para maior conforto da corte portuguesa durante o exílio.
Dois anos depois da instauração da família real no Brasil, D. João VI decreta a cidade do Rio de Janeiro como a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Alvarges, desenvolvendo em todos que aqui viviam um forte sentimento de brasilidade e inaugurando uma nova fase de desenvolvimento da coroa. A abertura dos portos, a imprensa régia, o jardim Botânico, o Banco do Brasil, os tribunais de justiça e finanças e várias outras obras foram criadas durante o período de estadia da família real no Brasil, fortalecendo o modelo social e induzindo a criação ou adequação daquele estilo de vida que já era experimentado na Europa.
Em 1813, o príncipe regente inaugurou no Rio de Janeiro o primeiro teatro de grande porte, dando aos brasileiros a sensação de sociedade moderna. O Real Teatro de São João teve seu primeiro espetáculo estrelado por Mariana Torres, atriz portuguesa de grande sucesso, depois da estreia, outras peças de companhias europeias se tornaram frequentes no Brasil.
O retorno de D. João VI e da família real para Portugal em 1821 pôs fim a um ciclo e iniciou outro, com seu filho D. Pedro I. No ano seguinte, 1822, o Brasil passou por seu processo de independência, transformando o sentimento de brasilidade em nacionalismo e criando uma cultura de valorização da pátria. O movimento literário que representou essa transformação foi o Romantismo.
O Romantismo brasileiro (1863-1881) representou no século XIX o sentimento de uma sociedade burguesa que, por meio da subjetividade e nacionalismo, buscou uma identidade que se confundia com a própria imagem de uma jovem nação. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o Brasil se definia como pátria, a burguesia legitimava o novo pensamento social e cultural.
Nesse contexto de transformações, surge no teatro a figura de João Caetano (1808-1863). Nascido no Rio de Janeiro em 1808, na cidade de Itaboraí, ele foi o primeiro ator profissional brasileiro, grande empreendedor de peças nacionais e o responsável pelo surgimento do teatro Romântico. Estreou com a peça O carpinteiro de Livônia, em 1831, no Teatro São Pedro de Alcântara; em 1833, fundou sua companhia, no teatro de Niterói; cinco anos depois, encenou sua primeira comédia, Juiz de paz na roça, de Martins Pena. João Caetano dedicou toda sua vida ao teatro, representando, dirigindo, escrevendo, empreendendo e estudando. Morreu em 1863, ainda em atividade, profissionalizando o teatro e produzindo trabalhos sobre a arte da representação.
Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882), brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, estabeleceu contato com as ideias do Romantismo no final da década de 1820 enquanto ainda estudava na Europa. Ele publicou, em 1836, Suspiros Poéticos e Saudades, considerada a primeira produção romântica brasileira, e, logo depois, decidiu se aventurar na dramaturgia, produzindo a primeira peça com temática nacional e representada somente por atores brasileiros, em 1838. Antônio José ou O Poeta e a Inquisição foi encenada nos palcos do Rio de Janeiro inaugurando a tragédia romântica em nossas terras.
O teatro no Brasil ganhou popularidade com as comédias de Martins Pena (1815-1848) que, em outubro de 1838, estreou triunfalmente no Teatro São Pedro a peça O Juiz de Paz na Roça, comédia em um ato. Essa obra é considerada a primeira em seu gênero, no teatro nacional, de modo que seu autor ficou conhecido como o criador de nossa comédia de costumes. Por valorizar o cotidiano e a paisagem brasileira viva da província e da Corte, com seus tipos característicos e caricaturas sociais, o comediógrafo, mesmo jovem, tornou-se a principal referência para a comédia brasileira na primeira metáte do século XIX. O teatro de Martins Pena representa a realidade brasileira de seu tempo com aguda capacidade de observação, embora sem profundidade social ou psicológica, preocupação lírica ou maior intuito moralizador. Acompanhe a cena final da peça O Juiz de Paz na Roça.
CENA ÚLTIMA
Os mesmos e os que estiveram em cena.
Juiz − Sejam bem-vindos, meus senhores. (Cumprimentam-se.) Eu os mandei chamar para tomarem uma xícara de café comigo e dançarmos um fado em obséquio ao Sr. Manuel João, que casou sua filha hoje.
Todos − Obrigado a Vossa Senhoria. Inácio José, para Manuel João − Estimarei que sua filha seja feliz.
Os outros − Da mesma sorte.
Manuel João − Obrigado.
Juiz − Sr. Escrivão, faça o favor de ir buscar a viola. (Sai o Escrivão.) Não façam cerimônia; suponham que estão em suas casas… Haja liberdade. Esta casa não é agora do juiz de paz – é
de João Rodrigues. Sr. Tomás, faz-me o favor? (Tomás chega-se para o juiz e este o leva para um canto.) O leitão ficou no chiqueiro?
Tomás − Ficou, sim senhor.
Juiz − Bom. (Para os outros:) Vamos arranjar a roda. A noiva dançará comigo, e o noivo com sua sogra. Ó Sr. Manuel João, arranje outra roda…Vamos, vamos! (Arranjam as rodas; o escrivão entra com uma viola.) Os outros senhores abanquem-se. Sr. Escrivão, ou toque, ou dê a viola a algum dos senhores. Um fado bem rasgadinho… bem choradinho…
Manuel João − Agora sou eu gente!
Juiz − Bravo, minha gente! Toque, toque! (Um dos atores toca a tirana na viola; os outros batem palmas e caquinhos, e os mais dançam.
Tocador, cantando − Ganinha, minha senhora,
Da maior veneração;
Passarinho foi-se embora.
Me deixou penas na mão.
Todos − Se me dás que comê,
Se me dás que bebê,
Se me pagas as casas,
Vou morar com você. (Dançam.)
Juiz − Assim, meu povo! Esquenta, esquenta!…
Manuel João − Aferventa!
Tocador, cantando –
Em cima daquele morro
Há um pé de ananás;
Não há homem neste mundo
Como o nosso juiz de paz.
Todos − Se me dás que comê,
Se me dás que bebê,
Se me pagas as casas,
Vou morar com você.
Juiz − Aferventa, aferventa!…
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Gonçalves Dias (1823-1864), nascido no Maranhão, filho de pai português e mãe maranhense, representou bem não apenas a síntese biológica do brasileiro por sua mistura de raças, mas, principalmente, o pensamento do homem romântico da época. Estudou Direito em Portugal e se contaminou com os clássicos europeus. Ao regressar para o Brasil começou a intensificar sua produção valorizando o ideal nacional, por meio da natureza e da mitificação da figura do índio, transformando-o em herói (cavaleiro medieval brasileiro). O autor em sua vida literária se mostrou muito profícuo, produzindo também peças teatrais, no entanto, não viu seus textos serem encenados. Em 1846, escreveu a peça Leonor de Mendonça, sobre a Duquesa de Bragança, assassinada pelo marido diante da suspeita de um adultério. Gonçalves Dias apresentou sua peça para João Caetano, teatrólogo e ator, mas, mesmo com o bom texto, foi recusada e engavetada, como boa parte das peças teatrais de vários autores nesse período histórico. Destacamos um fragmento da peça para observarmos a linguagem e o tema abordado por Gonçalves Dias.
QUADRO PRIMEIRO
A cena representa uma sala com um toucador, portas laterais, porta no fundo, um banco e mesa com bancais de damasco, algumas cadeiras de espaldar, decoração da época.
CENA I
PAULA (Só, acabando de compor a mesa) -O que se havia de meter em cabeça àquele pobre Alcoforado! E escolher-me a mim logo a mim para sua confidente! Mas enfim ele é tão novo, que não era de razão que eu o deixasse morrer assim sem mais nem menos. Que doido aquele!… Foi logo oferecer oferendas e romanas àquela santa que por certo lhas não há-de aceitar; porém, que se me dá a mim que ele gaste cera com maus defuntos em vez de a mandar benzer para se guardar dos trovões!
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Vários outros grandes poetas e prosadores românticos se aventuraram na produção de textos teatrais, poucos tiveram sucesso em suas empreitadas, a maioria dos autores não pôde realizar a montagem de suas peças por questões várias, principalmente por uma limitação da estrutura do teatro brasileiro.
Castro Alves (1847-1871) produziu belos poemas românticos condoreiros como Os Escravos e Navio Negreiro. Dedicou-se também ao teatro, produzindo um drama histórico, publicado em 1875, Gonzaga ou A Revolução de Minas. Influenciado pelas ideias transformadoras de Victor Hugo, tentou levar aos teatros o fulgor nacionalista da geração romântica.
Outro autor de destaque no Romantismo foi José de Alencar (1829-1877) que se notabilizou por uma vasta produção em prosa, mas também compôs nove peças teatrais, sendo quatro comédias, O Rio de Janeiro (Verso e Reverso), O Demônio Familiar, O que é o Casamento? e O Crédito, e quatro dramas, As Asas de um Anjo, Expiação, Mãe e O Jesuíta, e uma ópera hoje quase totalmente esquecida.
O DEMÔNIO FAMILIAR – CENA FINAL
EDUARDO- Por que, minha irmã? Todos devemos perdoar-nos mutuamente; todos somos culpados por havermos acreditado ou consentido no fato primeiro, que é a causa de tudo isto. O único inocente é aquele que não tem imputação, e que fez apenas uma travessura de criança, levado pelo instinto da amizade. Eu o corrijo, fazendo do autômato um homem; restituo-o à sociedade, porém expulso-o do seio de minha família e fecho-lhe para sempre a porta de minha casa.(APEDRO) Toma: é a tua carta de liberdade, ela será a tua punição de hoje em diante, porque as tuas faltas recairão unicamente sobre ti; porque a moral e a lei te pedirão uma conta severa de tuas ações. Livre, sentirás a necessidade do trabalho honesto e apreciarás os nobres sentimentos que hoje não compreendes. (PEDRObeija-lhe a mão.)
D. MARIA– Muito bem, meu filho! Adivinhaste o meu pensamento!
AZEVEDO- Mas agora, por simples curiosidade, diz-me, gamin, que interesse tinhas em desfazer o meu casamento?
PEDRO- Sr. moço Eduardo gosta de sinhá Henriqueta!
AZEVEDO- Ah!… bah!…
EDUARDO– Sim, meu amigo. Eu amo Henriqueta e para mim esse casamento seria uma desgraça; para o senhor era uma pequena questão de gosto e para seu pai um compromisso de honra. Hoje mesmo pretendia solver essa obrigação. Aqui está uma ordem sobre o Souto; o Sr. Vasconcelos nada lhe deve.
VASCONCELOS- Como? Fico então seu devedor?
EDUARDO- Essa dívida é o dote de sua filha.
HENRIQUETA- Oh! Que nobre coração!
EDUARDO- Quem mo deu?
HENRIQUETA- Sou eu que sinto orgulho em lhe pertencer, Eduardo.
D. MARIA- Mas, meu filho, dispões assim da tua pequena fortuna. O que te resta?
EDUARDO- Minha mãe, uma esposa e uma irmã. A pobreza, o trabalho e a felicidade.
ALFREDO- Esqueceu um irmão, Eduardo.
EDUARDO- Tem razão!
AZEVEDO- E um amigoquand même!
EDUARDO– Obrigado!
VASCONCELOS- A vista disto, D. Maria, vou tratar de pôr a Josefa nos cobres!
AZEVEDO- Decididamente volto a Paris, meus senhores!
PEDRO- Pedro vai ser cocheiro em casa de Major!
EDUARDO- E agora, meus amigos, façamos votos para que o demônio familiar das nossas casas desapareça um dia, deixando o nosso lar doméstico protegido por Deus e por esses anjos tutelares que, sob as formas de mães, de esposas e de irmãs, velarão sobre a felicidade de nossos filhos!…
FIM DE “O DEMÔNIO FAMILIAR”
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Na segunda metade do século XIX, interessado na análise de modelos sociais, a estética realista se desenvolveu propondo uma análise do homem e do mundo objetivamente para interpretar a sociedade e a vida. Apresenta uma narrativa lenta, longa e descritivista para retratar a realidade e transformar a ficção em uma imitação fiel dos fatos. A estética realista analisa a sociedade burguesa do final do século, buscando enfatizar seus problemas corriqueiros e “universalizá-los”. Dessa forma, destacam-se pela presença do cotidiano, de personagens tipificados, preferência pelo momento presente, detalhismo e outras características vinculadas ao racionalismo.
Nesse contexto, Joaquim José da França Júnior (1838-1890) propõe uma renovação do teatro de Martins Pena, criando um humor menos ingênuo, dando enfoque às características da nova escola realista, apresentando traços mais cruéis do ser humano, aproximando-se da verdade nas relações sociais. Produziu cerca de 24 peças teatrais dando sempre maior destaque para as comédias políticas, representando de forma caricaturesca os indivíduos e políticos típicos do Segundo Reinado no Brasil, entre suas principais peças destaca-se Como se Fazia um Deputado (1870).
COMO SE FAZIA UM DEPUTADO – Comédia em três atos
CENA XI
OS MESMOS, CUSTÓDIO, FLÁVIO MARINHO, ARRANCA-QUEIXO, RASTEIRA-CERTA, PASCOAL BASILICATA, 1oVOTANTE, 2o VOTANTEe mais pessoas do povo, precedidas de uma banda de música e foguetes
CUSTÓDIO – Viva o Doutor Limoeiro!
TODOS – Viva!
FLÁVIO – Viva o legítimo deputado!
TODOS – Viva!
CUSTÓDIO – Meus senhores, este dia assinala uma época gloriosa nos fastos…
FLÁVIO(Baixo, lendo um papel, por detrás de Custódio.) -Nos fastos da nossa história.
CUSTÓDIO – Nos fastos da nossa história. Sois vós o nosso legítimo representante, a nossa glória, o nosso porvir. Avante, cidadão prestimoso…
FLÁVIO(Baixo.) -Não; não é isto. Ah! é, é.
CUSTÓDIO – E que as bênçãos da pátria caiam sobre vós. Viva o Doutor Limoeiro!
TODOS – Viva!
CENA XII
OS MESMOSeDOMINGOS
DOMINGOS – Meu sinhô; se vosmecê nos dá licença,nos vemsaudar também sinhozinho com a nossa festa.
LIMOEIRO – Chegaste a propósito.(Com ar solene.) -Domingos, de hoje em diante serás um cidadão livre. Aqui tens a tua carta, e na minha fazenda encontrarás o pão e o trabalho que nobilita.
DOMINGOS(Ajoelhando-se e abraçando as pernas de Limoeiro.) -Meu senhor!
LIMOEIRO – Levanta-te.(Levanta-o e dá-lhe um abraço.) -Venha agora a festa.(Entram os negros e negras e dançam o batuque.)
FIM
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Nas últimas décadas do século XIX, outros autores de fama e sucesso crescente produziram peças teatrais ao mesmo tempo em que mantinham suas produções de prosa e poesia. Um bom exemplo desse dinamismo foi Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), que surgiu no cenário nacional produzindo textos de caráter romântico e evoluiu para a estética realista. Machado de Assis se tornou um espectador observador de seu momento histórico e buscou evidenciar em seus romances, principalmente em sua fase realista, toda esta nova sociedade que, mesmo perdendo o idealismo romântico, não se desfez das falsas aparências e corrupção dos valores morais. Dessa forma, como prosador, poeta e crítico, não deixou de opinar por meio do teatro sobre sua sociedade e realidade, mesmo que sua dramaturgia nunca tenha chegado à altura de seus romances, escreveu peças de algum sucesso como Quase Ministro (1864) e Lições de Botânica (1906).
QUASE MINISTRO – Comédia em 1 ato
NOTA PRELIMINAR
Esta comédia foi expressamente escrita para ser representada em um sarau literário e artístico dado a 22 de novembro do ano passado (1862), em casa de alguns amigos na rua da Quitanda.
(…)
O sarau era o sexto ou sétimo dado pelos mesmos amigos, reinando neste, como em todos, a franca alegria e convivência cordial a que davam lugar o bom gosto da direção e a urbanidade dos diretores.
EM CASA DE MARTINS – Sala elegante
CENA I
MARTINS, SILVEIRA
SILVEIRA(entrando) -Primo Martins, abraça este ressuscitado!
MARTINS – Como assim!
SILVEIRA – Não imaginas. Senta-te, senta-te. Como vai a prima!
MARTINS – Está boa. Mas que foi!
SILVEIRA – Foi um milagre. Conheces aquele meu alazão!
MARTINS – Ah! basta; história de cavalos… que mania!
SILVEIRA – É um vício, confesso. Para mim não há outros: nem fumo, nem mulheres, nem jogo, nem vinho; tudo isso que muitas vezes se encontra em um só homem, reuni-o eu na paixão dos cavalos; mas é que não há nada acima de um cavalo soberbo, elegante, fogoso. Olha, eu compreendo Calígula.
MARTINS – Mas, enfim…
SILVEIRA – A história! É simples. Conheces o meuIntrépido! É um lindo alazão! Pois ia eu a pouco, comodamente montado, costeando a praia de Botafogo; ia distraído, não sei em que pensava. De repente, um tílburi, que vinha em frente, esbarra e tomba. OIntrépidoespanta-se; ergue as patas dianteiras, diante da massa que ficara defronte, donde saíam gritos e lamentos. Procurei contê-lo, mas qual! Quando dei por mim rolava muito prosaicamente na poeira. Levantei-me a custo; todo o corpo me doía; mas enfim pude tomar um carro e ir mudar de roupa. Quanto ao alazão, ninguém deu por ele; deitou a correr até agora.
MARTINS – Que maluco!
SILVEIRA – Ah! mas as comoções… E as folhas amanhã contando o fato: “DESASTRE. – Ontem, o jovem e estimado Dr. Silveira Borges, primo do talentoso deputado Luciano Alberto Martins, escapou de morrer… etc.” Só isto!
MARTINS – Acabaste a história do teu desastre!
SILVEIRA – Acabei.
MARTINS – Ouve agora o meu.
SILVEIRA – Estás ministro, aposto!
MARTINS – Quase.
SILVEIRA – Conta-me isto. Eu já tinha ouvido falar na queda do ministério.
MARTINS – Faleceu hoje de manhã.
SILVEIRA – Deus lhe fale n’alma!
MARTINS – Pois creio que vou ser convidado para uma das pastas.
SILVEIRA – Ainda não foste!
MARTINS – Ainda não; mas a coisa já é tão sabida na cidade, ouvi isto em tantas partes, que julguei dever voltar para casa à espera do que vier.
SILVEIRA – Muito bem! Dá cá um abraço! Não é um favor que te fazem; mereces, mereces… Ó primo, eu também posso servir em alguma pasta!
MARTINS – Quando houver uma pasta dos alazões… (Batem palmas). Quem será!
SILVEIRA – Será a pasta!
MARTINS – Vê quem é.
(Silveira vai à porta. Entra Pacheco).
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O mais profícuo autor de peças teatrais no final do século XIX foi sem dúvida o “escravo da pena”, como gostava de ser chamado Artur Azevedo (1855-1908) que produziu cerca de 200 textos em quase 35 anos de dedicação a dramaturgia. Nasceu em São Luís do Maranhão, mas foi ainda jovem para a corte carioca, onde se dedicou ao mundo do entretenimento por meio do teatro. Amadureceu e se tornou a maior referência dos textos dramáticos no Rio de Janeiro.
Seguidor de Martins Pena e suas sátiras de costumes, Artur Azevedo ampliou o modelo original, dando maior dinamismo às falas e ironizando os costumes sociais da elite burguesa, criando uma proximidade entre o estrangeirismo tão comum no final do século XIX no Brasil e os tipos populares, despertando no público o humor natural pelo “chique às avessas”. A Capital Federal uma de suas peças mais conhecidas propõem uma sátira das relações sociais.
A CAPITAL FEDERAL (Cena II)
O Gerente,depoisFigueiredo
OGerente(Só.)— Não há mãos a medir! Pudera! Se nunca houve no Rio de Janeiro um Hotel assim! Serviço elétrico de primeira ordem! Cozinha esplêndida, música de câmara durante as refeições da mesa-redonda! Um relógio pneumático em cada aposento! Banhos frios e quentes, duchas, sala de natação, ginástica e massagem! Grande salão com umplafondpintado pelos nossos primeiros artistas! Enfim, uma verdadeira novidade! — Antes de nos estabelecermos aqui, era uma vergonha! Havia hotéis em S. Paulo superiores aos melhores do Rio de Janeiro! Mas em boa hora foi organizada a Companhia do Grande Hotel da Capital Federal, que dotou esta cidade com um melhoramento tão reclamado! E o caso é que a empresa está dando ótimos dividendos e as ações andam por empenhos! (Figueiredo aparece no topo da escada e começa a descer.) Ali vem o Figueiredo. Aquele é o verdadeiro tipo do carioca: nunca está satisfeito. Aposto que vem fazer alguma reclamação.
(…)
Cena III — Os mesmos,Benvinda
Benvinda—Tômuito arrependida! Não valeu a pena!
Fortunata— Rua, sua desavergonhada!
Eusébio— Tenha pena da mulata!
Fortunata— Rua!
Quinota— Mamãe, lembre-se de que eu mamei o mesmo leite que ela!
Fortunata— Este diabo não temdescurpa! Rua!
Gouveia— Não seja má, dona Fortunata. Ela também apanhou o micróbio da pândega.
Fortunata— Pois bem, mas se não secomportá dereto… (Benvinda vai para junto de Juquinha.)
Eusébio(Baixo à Fortunata.) — Ela há decasácom seuBorge… Eu dou o dote…
Fortunata— Mas seuBorge…
Eusébio— Quem não sabe é como quem não vê. (Alto.) A vida dacapitánão se fez para nós… E quem tem isso?… É na roça, é no campo, é no sertão, é na lavoura que está a vida e o progresso da nossa querida Pátria! (Mutação.)
Quadro XII
(Apoteose à vida rural.)
Toda a música desta peça é composta pelo Senhor Nicolino Milano, à exceção das coplas às págs. 23 e 91, do coro à pág. 98, do duetino à pág. 73 e do quarteto à pág. 98 que foram compostas pelo Senhor Doutor Assis Pacheco, e da valsa à pág. 27, composição do Senhor Luís Moreira.
FIM
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