NEGRINHA – MONTEIRO LOBATO
PROFESSOR SINVAL SANTANA
– O AUTOR E SUA OBRA
O irrequieto Monteiro Lobato é natural de Taubaté – 18 de abril de 1882 – no Vale do Paraíba, SP, o primeiro centro cafeicultor do país, mas decadente à época do autor. Criado com o avô materno, o Visconde de Tremembé, de quem herdou o gosto pelos livros, formado em Direito no Largo do São Francisco, voltou ao Vale do Paraíba, como promotor e fazendeiro. Influenciado pelo Darwinismo e pelo Determinismo, criou, nessa perspectiva, os contos de Urupês, seu primeiro livro, e o personagem Jeca Tatu, no texto intitulado Velha Praga, enviado como carta ao jornal O Estado de São Paulo, publicado como artigo, com repercussão no Congresso, lido por Rui Barbosa.
Monteiro se empolgou, mudou para São Paulo, onde atuou como jornalista, crítico e editor. Como crítico armou a polêmica com Anita Malfatti, a quem dirigiu violenta resenha conhecida como Paranoia ou Mistificação? o que lhe causou a ira imediata dos futuros modernistas que saíram em defesa da pintora. Como editor, porém, manteve boas relações com os participantes da Semana de Arte Moderna, tendo Oswald de Andrade como seu admirador.
Falido como editor, tornou-se adido cultural do Brasil nos Estados Unidos, experiência que lhe valeu o emblemático romance O Presidente Negro, 1926, em que simula a eleição de um negro para a presidência dos EUA, quase um século antes de Obama. Nos EUA, descobriu também que o Brasil tinha importantes jazidas de ferro e petróleo, que não eram exploradas por pressão de grupos interessados na dependência do país. Voltando ao Brasil, iniciou a campanha pela exploração de ferro e petróleo, sendo preso no primeiro governo de Getúlio Vargas. Contrariado, passou uma temporada na Argentina, ao voltar dedicou-se à Literatura infantil, na qual é o maior representante em nossa Literatura com a série Sítio do Pica Pau Amarelo. Faleceu em São Paulo, em 4 de julho de 1948.
Monteiro Lobato destacou-se principalmente por sua personalidade irrequieta, tanto como crítico como por sua mobilização política em prol de causas nacionalistas. No campo literário, destacam-se sua produção em contos – Urupês, Cidades Mortas e Negrinha – romance – O Presidente Negro – e Literatura infanto-juvenil – O Sítio do Pica Pau Amarelo. Seus contos representam crítica à decadência do Vale do Paraíba e à situação de pobreza do universo rural brasileiro, o que se personifica no personagem Jeca Tatu, do livro Urupês. Mais tarde, Monteiro reconheceu o exagero do Jeca, criando o Zé Brasil, como forma de rever a ideia de que o problema do homem do campo era fruto de sua preguiça e não das circunstâncias em que vivia. O romance O Presidente Negro retrata a inusitada ideia, à época, da eleição de um afrodescendente para a presidência dos Estados Unidos.
Sua grande realização, porém, é a série de livros que compõem o Sítio do Pica Pau Amarelo, marco da literatura infanto-juvenil de nossa Literatura. O Sítio inova pela forma como aborda as relações humanas, no respeito à criança, menino e menina têm os mesmos direitos, pelo tom crítico em relação à educação escolar tradicional, questionando o ensino de Língua Portuguesa, História e Matemática. A obra, mágica, sujeita-se a críticas hoje, por apresentar em alguns momentos preconceito racial, que reflete de certa forma a visão do autor, que achava a mestiçagem um problema do Brasil.
– NEGRINHA – O LIVRO
O livro Negrinha apresenta em suas narrativas dois eixos temáticos principais: os contos que apresentam a vocação humanista do escritor, desnudando a hipocrisia da sociedade, revelando a pobreza, a miséria, que viviam negros e imigrantes por exemplo, e outro grupo de contos em que se revela o pitoresco, a proximidade com a narrativa oral, o causo. O conto que dá título à obra é um marco na denúncia da condição do negro na sociedade brasileira, mesmo depois da Abolição. Monteiro Lobato recorre à oralidade da linguagem como recurso para conferir verossimilhança, documenta seus contos aproveitando-se de sua experiência como fazendeiro e neto de. O autor revela no decorrer das narrativas conhecimento amplo da Literatura ocidental, grande leitor que foi, citando constantemente clássicos como Dickens, Shakespeare, Cooper e Alencar. Outra temática recorrente na obra do autor, verificada em Negrinha é a crítica à idealização do Romantismo, secundário em Os Negros e tema central do conto Marabá.
– RESUMO DOS CONTOS
01- NEGRINHA
Negrinha nasceu na casa de Dona Inácia, senhora saudosa dos tempos da senzala e do tronco, que não teve filhos e não suporta choro. Órfã aos quatro anos, mirradinha, Negrinha é escolhida para satisfazer a ira da senhora. Sentada no chão, ao lado do trono de Dona Inácia, a menina passa o dia ali imóvel, tendo como distração o cuco do relógio a cada meia hora. Sempre que a senhora está de mau humor, muito frequentemente, a menina apanha para aliviar o estresse da patroa. Vida pior que de cachorro ou gato. Em férias de final de ano, chegam à casa duas sobrinhas de Dona Inácia. Alegres, risonhas, espalhando brinquedos, para estranheza de Negrinha, afinal barulho de criança não era permitido na casa. Mas as meninas podem. Negrinha fica encantada com uma boneca, ela pensa que é real. As sobrinhas se divertem com sua ingenuidade e deixam a menina brincar. São dias de felicidade, os únicos na vida de Negrinha. E acabam, pois as meninas vão-se e levam a boneca. Sem o objeto de sua alegria e sem poder voltar a seu estado anterior, Negrinha definha de tristeza e morre qual gato abandonado no canto da cozinha.
02- O BUGIO MOQUEADO
O narrador nos fala de sua experiência assustadora depois de ter visitado um bruto fazendeiro no Mato Grosso. Ele jantou com o homem e viu que uma estranha carne fora servida à esposa do fazendeiro. Ela comeu a contragosto o esquisito prato. Mais tarde, conversando com um amigo negro, descobrira que o fazendeiro assassinou e moqueou um negro de sua fazenda por suspeitar que ele tivesse um caso com a sua esposa, obrigando-a a comer da carne do negro/o bugio moqueado.
03- A FACADA IMORTAL
O narrador narra o golpe que Indalício Ararigbóia deu em seu amigo Raul. Foi um golpe de mestre comparado a uma grande jogada do xadrerz. Todos fazem parte da mesma roda de amigos. Indalício é conhecido por conhecido por pegar empréstimos e não pagar, a facada do título; Raul, por sua vez, é muito econômico e nunca empresta dinheiro. Indalício consegue arrancar um empréstimo do pão-duro amigo Raul ao mexer com a vaidade do amigo. Após o golpe, Indalício sente-se vitorioso, e Raul sente-se derrotado.
04- O COLOCADOR DE PRONOMES
Por causa do uso indevido de um pronome, nasceu Aldrovando. Seu pai, funcionário pobre de cartório, se apaixonou pela filha caçula do Coronel Triburtino. Ao criar coragem, envia à moça bilhete com os dizeres: Anjo adorado! Amo-lhe. O pai da moça o chama e comunica que ele terá de casar-se com a filha mais velha e muito feia. Por causa do pronome lhe/a ela. Ele teria de usar AMO-TE. Casaram-se e nasceu Aldrovando. Este se revelou notório estudioso da Gramática, sua vida. Era purista ao extremo, considerando apenas o português primitivo do Frei Luís de Souza. Frustrado, incompreendido, decide escrever um calhamaço sobre a Língua Portuguesa, com capítulo especial sobre colocação pronominal, sua principal especialidade. Pagou a edição do livro e, ao receber os primeiros exemplares, sentiu uma dor profunda na alma, ao descobrir a correção indevida feita pelo tipógrafo. Ele fez a seguinte dedicatória:
Dedicou-o a Fr. Luz de Souza: À memória daquele que me sabe as dores, O Autor.
O tipógrafo reescreveu: daquele que sabe-me as dores. Aldrovando morreu de desgosto. Crítica do auto ao purismo da Língua tão em moda em sua época, devido aos parnasianos.
05- A POLICITEMIA DE DONA LINDOCA
Desgostosa com o descaso dos filhos e do marido, além de suposta traição por parte dele, dona Lindoca, sentindo um mal-estar, procura o doutor Lorena, médico charlatão. Este diz que ela tem policitemia e necessita de cuidados extremados. Dona Lindoca aproveita-se da doença por longo tempo, tendo o marido, os filhos, parentes e amigos, a seu inteiro dispor. A vida está uma maravilha, porém, para decepção da paciente, o médico se revela um grande farsante. Doutor Lorena foge com uma paciente, e Dona Lindoca, ao consultar com outro médico, descobre que não tem doença nenhuma. Tudo volta a ser como antes. O descaso do marido, os filhos, os parentes, os amigos somem. Dona Lindoca sente saudades da policitemia.
06- OS PEQUENINOS
Enquanto espera o navio que trará um amigo de Londres, o narrador ouve histórias dos marinheiros. Um deles narra um episódio vivido no interior do Rio Grande do Sul. Deparou-se um dia com a seguinte cena: um gaviãozinho ataca uma ema, cravando-lhe sob as asas as suas garrinhas e bicando-lhe sem piedade a carne viva e macia. Sem defesa, a grande ema é vítima do gaviãozinho, até ser salva pelo narrador. Outro narra episódio ocorrido há alguns anos. Português honesto, encarregado das cargas de um armazém, é acusado de roubar um saco de arroz. Demitido, com dificuldade para encontrar outro emprego, termina como carregador no cais. Depois de muito tempo, seu patrão descobre que quem roubou foram as formigas, tão pequeninas. Passa o tempo de espera, chega o navio. O narrador recebe o amigo, que está com tuberculose, também vítima de um pequenino, o bacilo de Koch.
07- O FISCO – CONTO DE NATAL
Este conto tem forte apelo social, à moda de Charles Dickens, revelando a face humanista de Monteiro Lobato. O conflito da narrativa envolve um menino de nove anos, filho de imigrantes italianos, que ao ver a miséria da família, tenta ajudar. Sua ideia é seguir os passos de um tio engraxate de sucesso. Sem o conhecimento dos pais, faz uma pequena caixa de engraxate, tosca, consegue do tio escovas velhas e resto de graxa. Dirige-se à praça com grandes planos. Mas assim que encontra um ponto, é abordado por um fiscal da prefeitura que exige dele a licença para o trabalho. Sem a licença e sem dinheiro, o menino é levado até sua casa. O guarda pressiona a mãe, que é obrigada a gastar as últimas economias para se livrar da multa. O menino bem-intencionado acaba por levar uma surra do pai, enquanto o fiscal se dirige ao bar da esquina para tomar uma cerveja com o dinheiro que arrecadara.
08- HERDEIRO DE SI MESMO
Lupércio Moura, aos 36 anos, começa a ser acompanhado por uma maré de boa sorte. Tudo conspira para seu enriquecimento. Por acaso, embriagado, acaba comprando o casco de um velho navio, uma sucata, por 45 contos de réis, tudo o que possuía. Um ano depois, o preço do ferro sobe em função da guerra e ele vende a sucata por mais de 400 contos. No fim da vida está muito rico, uma fortuna de 60 mil contos, sem ter um herdeiro. Começa, então, a estudar Espiritismo. Aprofunda-se nos estudos, torna-se amigo do médium, Dr. Dunga. Depois de muito estudar, finalmente surge seu verdadeiro interesse na teoria espírita. Quer saber quando vai reencarnar e quem será sua mãe. Pede ao Dr. Dunga que, custe o que custar, descubra com os espíritos quem será sua mãe na sua próxima encarnação, para fazê-la depositária da fortuna dele no seu testamento. Queria ser herdeiro de si mesmo.
09- AS FITAS DA VIDA
Um velho cearense, combatente da Guerra do Paraguai, sozinho e cego, fugindo da seca, na esperança de ir para o Asilo Voluntários da Pátria no Rio de Janeiro. Junto com uma leva de imigrantes, mão de obra para os cafezais paulistas, acaba por engano levado ao prédio da imigração em São Paulo. Sem nenhum conhecido, abandonado á sorte, sua situação comoveu um funcionário que levou o caso até o diretor da Imigração. O diretor conversa com o cego sobre sua participação na guerra do Paraguai, qual batalhão serviu, de que batalhas participou. O cego revela grande estima por seu antigo capitão, coincidentemente promovido a chefe do departamento de imigração, pois era médico. Ao encontrar o antigo soldado, o médico-capitão o encaminhou para uma cirurgia de catarata, devolvendo-lhe de fato a visão.
10- O DRAMA DA GEADA
O narrador visita um rico fazendeiro do café, seu conhecido. Conhece toda a fazenda, admirando a dimensão do trabalho e a beleza do cafezal. É mês de junho, época de geadas, a única ameaça àquela riqueza toda. Como há muito não se via, ocorre uma geada que queima todo o cafezal. Diante de sua falência, o fazendeiro enlouquece. O narrador, os trabalhadores da fazenda, a esposa encontram o fazendeiro já à tarde no meio do cafezal, com uma lata de tinta verde pintando as folhas queimadas. Totalmente desvairado por perder a propriedade para bancos franceses.
11- DONA EXPEDITA
Dona Expedita é uma senhora de 60 anos, que ainda diz a todos que tem 36. Ela procura um emprego de criada para serviços leves, mas a situação está difícil. O narrador então nos conta dois episódios engraçados vividos por ela na sua busca por um emprego ideal. Um dia ela viu no jornal uma oferta de emprego leve de acompanhante para o qual se pagaria 400 mil réis por mês, mas ao chegar ao local descobriu que se tratava de um erro no anúncio, o salário seria de 40 mil réis. O segundo episódio foi quando uma imigrante alemã a procurou falando de um serviço excelente, de uma boa patroa e um bom salário. Dona Expedita achou que ela era a patroa interessada em contratá-la, mas descobriu desconsolada que a alemã também procurava por um emprego assim.
12- OS NEGROS
Conto que ironiza as fantasias românticas. Há duas narrativas. Na primeira, o narrador e seu amigo Jonas param, por causa de forte chuva, no meio de uma viagem a cavalo pelo interior, em uma fazenda abandonada e com fama de mal assombrada. Mora na propriedade, em um ranchinho, o negro Adão, ex-escravo do temível Capitão Aleixo, conhecido pelos castigos impostos a seus negros. Adão lhes oferece comida e pouso, porém seu ranchinho não tem condições de abrigar os dois viajantes, e todos vão dormir na casa grande da fazenda, abandonada e amaldiçoada. A segunda narrativa ocorre no plano sobrenatural. Durante a noite, Jonas, possuído pelo espírito do jovem Fernão, narra o drama amoroso vivido no século anterior. Fernão, um português pobre, funcionário da fazenda no tempo da escravidão, teve um namoro escondido com Isabel, a filha do patrão, o Capitão Aleixo, acobertados pela mucama Linduína. O Capitão, ao descobrir o namoro, tomou decisão radical. Enviou Isabel, a filha, para a corte, e ela enlouqueceu, longe de seu amado. Mandou castigar no tronco, até a morte, escrava Liduína, que ajudou o casal. O jovem Fernão foi emparedado vivo. Depois do transe, retomamos a narrativa primeira. Jonas de nada se lembrava, de modo que ficou só na memória do narrador a história da tragédia dos jovens amantes.
13- O JARDINEIRO TIMÓTEO
A sede da fazenda era ao jeito das velhas moradias coloniais, frente com varanda, uma ala e pátio interno, onde ficava o jardim. O negro forro Timóteo cultivou o jardim como quem cria uma família. Na verdade, as flores contavam a história de todos na fazenda, os senhores, a sinhazinha, os negros da casa. Cada canteiro uma vida. Mas apenas flores antigas, nenhuma que fosse moda nas cidades. Quarenta anos zelou dos canteiros o bom Timóteo, um preto, branco por dentro. Verdadeiro poeta, o bom Timóteo. Ele amava suas flores, dialogava com elas, porém a nova geração da família vendeu a fazenda. Os novos proprietários acharam a casa, os móveis e o jardim coisas do outro século. E decidiram renovar tudo. Timóteo, ao saber das intenções, desesperou-se mas de nada adiantou. Viu o trabalho de sua vida desaparecer. Enlouquecido, amaldiçoou a todos e morreu ao lado da velha porteira.
14- QUERO AJUDAR O BRASIL
Um negro, funcionário da Sorocabana, procura pelos incorporadores da empresa que luta pela exploração do petróleo, referência ao próprio autor, desejando comprar 30 ações da empresa no total de 3 contos, toda a economia de uma vida inteira de trabalho duro. Ele declara que não se importa com os riscos que corre, pois tudo o que quer é ajudar o Brasil.
Ficamos a olhar uns para os outros, sem palavras. Que palavras comentariam aquilo? Essa coisa chamada Brasil, que é de vender, que até os ministros vendem, ele queria ajudar… De que brancura deslumbrante nos saíra aquele negro! E como são negros certos ministros brancos! ”Abençoado negro!… Os teus três contos foram mágicos. … Trancaram com pregos a porta da deserção.”
15- BARBA AZUL
O narrador conversa com um amigo em um restaurante. O amigo, ao ver, em uma mesa, velho conhecido, Pânflio Novais, conta ao narrador sua mórbida história. Pânflio era um humilde funcionário de farmácia no interior até descobrir um terrível meio de enriquecer: casar-se com mulheres feias, magras, pequenas, inaptas para o parto. Depois fazia-lhes seguro de vida, engravidava-as. Já foram quatro casamentos, todas morriam no parto, deixando a ele o dinheiro do seguro. Barba Azul refere-se a personagem de um conto medieval, cuja especialidade era matar as esposas.
16- UMA HISTÓRIA DE MIL ANOS
Vidinha é uma bela jovem, um anjo de candura, vive com a família nos confins do sertão, não conhece vida fora do pobre sítio dos pais, não tem sonhos, ilusões ou paixões. Não tem malícia, é indefesa como a juriti e a begônia, uma presa fácil para um gavião. Um moço de fora se hospeda em sua casa e desperta em seu coração o amor. Seduz a moça e desaparece. Na solidão, depois de conhecer o amor, Vidinha definha, entristece e acaba morrendo.
17- SORTE GRANDE
Maricota é filha de dona Teodora. Moram numa pequena cidade, Santa Rita, com mais três irmãs e dois irmãos. Ela é professora e não se casa por falta de homens na cidade. Leva vida humilde e, para piorar, Maricota desenvolve uma doença rara, rinofima, que lhe faz crescer o nariz. Do tamanho de uma beterraba, o nariz é motivo de piada para toda a cidade. A família consegue dinheiro para uma consulta com o médico da cidade vizinha e, na viagem, Maricota encontra um especialista do Rio de Janeiro, muito conceituado, o Dr. Cadaval, que se interessa pelo seu caso e a convida para uma tratamento na capital federal. Maricota percebe que sua doença despertou grande interesse e a usa para ajeitar sua vida e da família: é sua SORTE GRANDE. Muda-se para o Rio, com a condição de o Dr. conseguir vários favores, emprego para os irmãos e casamento para as irmãs. O Doutor, como pesquisador, colhe os louros da vitória pela descoberta do Rinofima, nome do tumor de Maricota. Ela, operada de seu nariz, volta ao normal, a família se ajeita e o médico ganha fama. O que fora considerado uma vergonha, agora passou a ser chamado de sorte grande pelo povo de Santa Rita.
18- DUAS CAVALGADURAS
O narrador conta que leu um conto de Ribeiro Couto, em que um estudante mata um judeu, dono de um sebo, depois que este lhe explora num negócio de livros. O narrador suspeita que a história se refere a um judeu, dono de um sebo que ele conhece. Ele vai ao sebo, vê um coelhinho de lã que imagina ter sido comprado pelo judeu de uma pobre criança faminta. Fantasia a cena como num texto de Dickens. Depois de interrogar o judeu acerca do coelhinho, o narrador descobre que se tratava de uma lembrança de um seu filho adotivo que morrera criança. A imagem de judeu ganancioso de desfaz e o narrador escreve ao amigo Ribeiro Couto dizendo-lhe: Somos duas cavalgaduras/bestas.
19- O BOM MARIDO
Teofrasto Pereira da Silva Bermudes é um explorador, um chupim. Casou-se com Isabel, contra a vontade da família da moça. Isabel/Belinha sustentou o folgado, trabalhando como professora, enquanto ele se cansava procurando emprego. Na verdade, gastava as horas discutindo política na farmácia. Mas ele era carinhoso e tratava a esposa sempre com dengos, dizendo-se de injustiçado pelo destino. A pobre Isabel adorava o marido e se desdobrava para criar os oito filhos. Morreu de tanto trabalhar. Seus pais vieram e levaram os filhos. Teofrasto, então, casou-se com a dona da quitanda, graças a sua fama de bom marido.
20- O CAMICEGO
O narrador apresenta Edgard, criança de quatro anos, cuja imaginação criou o Camicego, um monstro imaginário que come gente e vive nos cantos da fazenda, da casa. O monstro faz parte das brincadeiras diárias de Edgard, Marta e Guilherme, até o dia em que encontram um morcego morto. Edgard o identificou o famigerado Camicego, e eles decidiram abri-lo como um porco, desfazendo o medo diante do misterioso monstro. Para decepção das crianças, a gente grande reprimiu a brincadeira e jogou fora o monstro.
21- MARABÁ
Monteiro Lobato ironiza o modelo dos romances românticos, a receita pronta das narrativas históricas, heroicas. E, para confirmar sua teoria, reproduz o esquema, adaptando-o a sua época, recorrendo à linguagem cinematográfica. O narrador dá ao leitor uma receita de romance romântico. Ele propõe uma recriação do universo romântico a partir de ícones consagrados: A índia Iná liberta um prisioneiro branco da tribo, foge com ele e gera uma filha, Marabá, a mestiça, amaldiçoada. Marabá é condenada à morte, mas a mãe a salva, levando-a para lugar seguro. Iná ensina à filha como sobreviver na floresta. Ela se torna uma ninfa loira e linda. Quando já moça, o índio Ipojuca, futuro cacique, se apaixona por ela, mas ele já está prometido a Moema. Esta descobre o romance de Ipojuca e Marabá e denuncia os amantes. Condenados à morte, são perseguidos pela tribo, mas acabam acolhidos pelo exército português. Ipojuca está ferido, um capitão reconhece Marabá como sendo sua filha e a abraça. Sem entender a cena, Ipojuca, ferido de morte, flecha sua jovem amada. Os dois morrem.
22- FATIA DE VIDA
O Cônego da cidade faz um discurso sobre caridade. O Doutor Bonifácio Torres, cético e crítico, contrariou o Cônego, que o desafiou a provar que a caridade não é um sentimento positivo. Bonifácio ilustra sua tese com a história de sua lavadeira Isaura, que perdeu dois filhos e uma neta, durante a gripe espanhola, por culpa da caridade de uma vizinha. Eles ficaram doentes e foram levados ao hospital. Lá pegaram infecções mais graves e vieram a falecer. O Cônego ficou sem resposta.