ARNALDO ANTUNES – NOME CD E LIVRO
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HÁ SEMPRE UMA LUZ DENTRO DO TÚNEL
– O AUTOR E SUA ÉPOCA:
O trabalho multimídia do paulista Arnaldo Antunes, roqueiro, poeta, compositor, artista visual, diferencia-se de qualquer outro voltado para o mercado fonográfico ou literário. Não apresenta composições simples, lineares e melodia adocicada. Não é para ser lido; é para ser sentido. E sentido no sentido dos mestres da Poesia, mestres que o autor conhece. Importante ressaltar a formação do poeta, antes de ser um dos Titãs, foi aluno de Linguística na USP e na PUC – Rio; não concluiu o curso devido à carreira da banda.
Intelectual de formação cultural sólida, Arnaldo Antunes compreendeu com perfeição a lição dos grandes mestres. Em seu livro/cd, o poeta/compositor revisita com a mesma habilidade o soneto clássico de Camões e a poesia concreta, reinventando-os:
Sonetos
A leitura dos dois sonetos de Nome guarda pouco da leitura do soneto tradicional consagrado por Camões. Os dois sonetos não se enquadram como o soneto italiano (ABBA, ABBA, CDC, DCD) ou inglês (ABBAABBAABBACC). Na verdade, os textos fundem o clássico aos elementos gráficos e visuais do Concretismo.
Por outro lado, sua obra repercute os mestres do estudo da Língua, o suíço Ferdinand de Saussure, linguista e filósofo, o francês Roland Barthes, filósofo, sociólogo e linguista. De Saussure, guarda o conceito de arbitrariedade do signo – os nomes das coisas são convenções arbitrárias, não revelam um significado ou uma ideia da coisa:
… não deve dar a ideia de que o significado dependa da livre escolha do que fala, porque não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo linguístico; queremos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade.
Ferdinand de Saussure
Conceito confirmado pelo poema título da obra em questão:
Nome
Algo e o nome do homem
Coisa e o nome do homem
Homem e o nome do cara
Isso e o nome da coisa
Cara e o nome do rosto
Fome e o nome do moco
Homem e o nome do troco
Osso e o nome do fóssil
Corpo e o nome do morto
Homem e o nome do outro.
Arnaldo Antunes
De Roland Barthes, reflete as possibilidades poéticas que a palavra assume no universo contemporâneo, marcado pela cultura visual, pela linguagem não verbal.
as palavras não são mais concebidas ilusoriamente como simples instrumentos, são lançadas como projeções, explosões, vibrações, maquinarias, sabores: a escritura faz do saber uma festa. (…) a escritura se encontra em toda parte onde as palavras têm sabor (saber e sabor têm, em latim, a mesma etimologia). (…) É esse gosto das palavras que faz o saber profundo, fecundo.
Roland Barthes
Como se confirma em
Sol Ouço
O título do texto não verbal reproduzido ao lado é Sol Ouço. Isso mesmo, trata-se de um poema da obra Nome. Observe que o título produz efeito de trocadilho: sol ouço/soluço. O jogo de palavras e a exploração do elemento visual, a linguagem não verbal, são as marcas mais evidentes do trabalho do poeta, as mais perceptíveis ao primeiro contato.
Ao explorar o mundo polifônico, as linguagens múltiplas, Arnaldo Antunes revela pleno domínio de suas possibilidades. Ele sabe dos campos que a realidade virtual representa para o gênio do artista, o que não se equipara a nenhum outro momento da História. E, como pioneiro no campo multimídia, realiza suas representações de forma artesanal. Seus textos são elaborados, considerando todos os campos sensoriais, todos os elementos da comunicação.
Pouco
No poema Pouco, está clara a integração forma/conteúdo. O enquadramento das palavras justifica a ideia que o poema carrega. Não se dissocia a mensagem do referente. A função poética da linguagem é fundamental para se compreender a aspecto referencial do texto.
Os textos de Arnaldo Antunes reconhecem a leitura do Simbolismo de Rimbaud, Verlaine e Mallarmé; da poesia sincrética de Augusto dos Anjos; e da Poesia Concreta de Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari.
Da poesia simbolista, resgata a exploração dos campos sensoriais, o aspecto lúdico da poesia, exemplificado nos poema Água:
Da nuvem até o chão
Do chão até o bueiro
Do bueiro até o cano
Do cano até o rio
Do rio até a cachoeira
Da cachoeira até a represa
Da represa até a caixa d´água
Da caixa d´água até a torneira
Da torneira até o filtro
Do filtro até o copo
Do copo até a boca
Da boca até a bexiga
Da bexiga até a privada
Da privada até o cano
Do cano até o rio
Do rio até outro rio
Do outro rio até o mar
Do mar até outra nuvem
Na História, o ludismo representou o movimento de reação de trabalhadores contra a mecanização do trabalho, tirando-lhe o prazer, a alegria. Na Arte, o ludismo visa ao retorno do encantamento com a palavra. Em Nome, uma evidência deste aspecto encontra-se na linguagem infantil, típica dos jogos e das quadras dos tempos de criança:
Cultura
O girino é o peixinho do sapo
O silêncio é o começo do papo
O bigode é a antena do gato
O cavalo é pasto do carrapato
O cabrito é o cordeiro da cabra
O pescoço é a barriga da cobra
O leitão é um porquinho mais novo
A galinha é um pouquinho do ovo
O desejo é o começo do corpo
Engordar é a tarefa do porco
A cegonha é a girafa do ganso
O cachorro é um lobo mais manso
O escuro é a metade da zebra
As raízes são as veias da seiva
O camelo é um cavalo sem sede
Tartaruga por dentro é parede
O potrinho é o bezerro da égua
A batalha é o começo da trégua
Papagaio é um dragão miniatura
Bactérias num meio é cultura
O livro/cd Nome reflete a influência do livro Eu e Outras Poesias, de Augusto dos Anjos, também percebida nos trabalhos dos Titãs. A poesia do poeta paraibano, publicada no início do século XX foi uma revolução na Lírica brasileira, exatamente por ser anti-lírica, apoética, por seu mau gosto, pelo vocabulário escatológico e pela sensação de estranheza que causa. São características de poemas significativos de Arnaldo Antunes, como Tato, que choca pelas imagens fortes, pelos referentes desagradáveis, críticos, talvez críticos demais para o ouvido acostumado à banalização e à superficialidade da cultura de massa.
o olho enxerga o que deseja e o que não
ouvido ouve o que deseja e o que não
o pinto duro pulsa forte como um coração
trepar é o melhor remédio pra tesão
um terço é muita penitência pra masturbação
a grávida não tem saudades da menstruação
se não consegue fazer sexo vê televisão
manteiga não se usa apenas pra passar no pão
boceta não é cu mas ambos são palavrão
gozo não significa ejaculação
o tato mais experiente é a palma da mão
o olho enxerga o que deseja e o que não
ouvido ouve o que deseja e o que não
depois de ejacular espera por outra ereção
o ânus precisa de mais lubrificação
por mais que se reprima nunca seca a secreção
o corpo não é templo, casa nem prisão
uns comem outros fodem uns cometem outros dão
por graça por esporte ou tara por amor ou não
velocidade se controla com respiração
o pau se aprofunda mais conforma a posição
o tato mais experiente é a palma da mão
o pinto duro pulsa forte como um coração
gozo não significa ejaculação
o ânus precisa de mais lubrificação
por graça por amor por tara ou pra reprodução
ouvido ouve o que deseja e o que não
velocidade se controla com respiração
trepar é o melhor remédio pra tesão
o tato mais experiente é a palma da mão
se não consegue fazer sexo vê televisão
o olho enxerga o que deseja e o que não
uns comem outros fodem uns cometem outros dão
A presença do Concretismo na obra de Arnaldo Antunes encontra-se no jogo de palavras, na exploração gráfica do texto, na busca da síntese, da concisão, no caráter não verbal do texto. Arnaldo Antunes tem uma ligação não apenas poética, nas de amizade com os concretistas. É um filho poético deles, sem depreciação ou demérito, afinal realizou um projeto à altura dos mestres. Hábil na conjugação dos aspectos visuais, sonoros, auditivos do signo, harmonizando significante e significado:
Dentro
Fênis
Fênis
Penix
….
Lançado em 1993, Nome, de Arnaldo Antunes, repercutiu na cena cultural do país.
Figura significativa do Rock nacional da década de 1980, ao lado dos outros Titãs, do pessoal Ira!, de Cazuza, de Renato Russo, de Humberto Gessinger, Arnaldo Antunes carregou, desde os trabalhos anteriores à banda e ao rock para tocar em rádios experiências performáticas, multimídia, revelando-se um vanguardista. Os Titãs traziam esta marca nas aparições na televisão e nos shows. Outra marca da banda e do compositor, que o cd/livro Nome apresenta, são as letras viscerais, escatológicas, que era um diferencial, se comparado ao lirismo de Renato Russo, e que são, se comparadas ao Pop atual e à poesia contemporânea.
Trabalhos, como os do poeta paulista Arnaldo Antunes, que exploram o verbal e o não verbal, o apelo sensorial, de forma tão visceral, são provas de maturidade para concretizar a Poética contemporânea. Arnaldo Antunes visa à renovação da poesia, mostrando que não se faz um poema apenas para a leitura com o olhar. O poema é para o tato, a audição, a visão, o olfato e o paladar. É para os sentidos físicos absorvê-lo e enviá-lo para a degustação do intelecto. E ele encontrou no mundo virtual, as ferramentas para a execução de sua obra.