LEITURA DO CD/LIVRO NOME DO POETA/COMPOSITOR ARNALDO ANTUNES

Publicado em 07 de fevereiro de 2017 na categoria

ARNALDO ANTUNES – NOME CD E LIVRO

CAPA CD E LIVRO

CAPA CD E LIVRO

http://www.arnaldoantunes.com.br/new/

HÁ SEMPRE UMA LUZ DENTRO DO TÚNEL

– O AUTOR E SUA ÉPOCA:

O trabalho multimídia do paulista Arnaldo Antunes, roqueiro, poeta, compositor, artista visual, diferencia-se de qualquer outro voltado para o mercado fonográfico ou literário. Não apresenta composições simples, lineares e melodia adocicada. Não é para ser lido; é para ser sentido. E sentido no sentido dos mestres da Poesia, mestres que o autor conhece. Importante ressaltar a formação do poeta, antes de ser um dos Titãs, foi aluno de Linguística na USP e na PUC – Rio; não concluiu o curso devido à carreira da banda.

Intelectual de formação cultural sólida, Arnaldo Antunes compreendeu com perfeição a lição dos grandes mestres. Em seu livro/cd, o poeta/compositor revisita com a mesma habilidade o soneto clássico de Camões e a poesia concreta, reinventando-os:

Sonetos

SONETO 01

 

SONETO 02

A leitura dos dois sonetos de Nome guarda pouco da leitura do soneto tradicional consagrado por Camões. Os dois sonetos não se enquadram como o soneto italiano (ABBA, ABBA, CDC, DCD) ou inglês (ABBAABBAABBACC). Na verdade, os textos fundem o clássico aos elementos gráficos e visuais do Concretismo.  

Por outro lado, sua obra repercute os mestres do estudo da Língua, o suíço Ferdinand de Saussure, linguista e filósofo, o francês Roland Barthes, filósofo, sociólogo e linguista. De Saussure, guarda o conceito de arbitrariedade do signo – os nomes das coisas são convenções arbitrárias, não revelam um significado ou uma ideia da coisa:

… não deve dar a ideia de que o significado dependa da livre escolha do que fala, porque não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo linguístico; queremos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade.

                                                                                                                                                       Ferdinand de Saussure                                      

Conceito confirmado pelo poema título da obra em questão:

Nome

Algo e o nome do homem

Coisa e o nome do homem

Homem e o nome do cara

Isso e o nome da coisa

Cara e o nome do rosto

Fome e o nome do moco

Homem e o nome do troco

Osso e o nome do fóssil

Corpo e o nome do morto

Homem e o nome do outro.

Arnaldo Antunes

De Roland Barthes, reflete as possibilidades poéticas que a palavra assume no universo contemporâneo, marcado pela cultura visual, pela linguagem não verbal.

as palavras não são mais concebidas ilusoriamente como simples instrumentos, são lançadas como projeções, explosões, vibrações, maquinarias, sabores: a escritura faz do saber uma festa. (…) a escritura se encontra em toda parte onde as palavras têm sabor (saber e sabor têm, em latim, a mesma etimologia). (…) É esse gosto das palavras que faz o saber profundo, fecundo.

                                                                                                                                                                                        Roland Barthes

Como se confirma em

Sol Ouço

NOME ARNALDO ANTUNES 04

O título do texto não verbal reproduzido ao lado é Sol Ouço. Isso mesmo, trata-se de um poema da obra Nome. Observe que o título produz efeito de trocadilho: sol ouço/soluço. O jogo de palavras e a exploração do elemento visual, a linguagem não verbal, são as marcas mais evidentes do trabalho do poeta, as mais perceptíveis ao primeiro contato.

Ao explorar o mundo polifônico, as linguagens múltiplas, Arnaldo Antunes revela pleno domínio de suas possibilidades. Ele sabe dos campos que a realidade virtual representa para o gênio do artista, o que não se equipara a nenhum outro momento da História. E, como pioneiro no campo multimídia, realiza suas representações de forma artesanal. Seus textos são elaborados, considerando todos os campos sensoriais, todos os elementos da comunicação.

Pouco

NOME ARNALDO ANTUNES 05

No poema Pouco, está clara a integração forma/conteúdo. O enquadramento das palavras justifica a ideia que o poema carrega. Não se dissocia a mensagem do referente. A função poética da linguagem é fundamental para se compreender a aspecto referencial do texto.

Os textos de Arnaldo Antunes reconhecem a leitura do Simbolismo de Rimbaud, Verlaine e Mallarmé; da poesia sincrética de Augusto dos Anjos; e da Poesia Concreta de Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari.

Da poesia simbolista, resgata a exploração dos campos sensoriais, o aspecto lúdico da poesia, exemplificado nos poema Água:
NOME ARNALDO ANTUNES 06

 

Da nuvem até o chão

Do chão até o bueiro

Do bueiro até o cano

Do cano até o rio

Do rio até a cachoeira

Da cachoeira até a represa

Da represa até a caixa d´água

Da caixa d´água até a torneira

Da torneira até o filtro

Do filtro até o copo

Do copo até a boca

Da boca até a bexiga

Da bexiga até a privada

Da privada até o cano

Do cano até o rio

Do rio até outro rio

Do outro rio até o mar

Do mar até outra nuvem

 

            Na História, o ludismo representou o movimento de reação de trabalhadores contra a mecanização do trabalho, tirando-lhe o prazer, a alegria. Na Arte, o ludismo visa ao retorno do encantamento com a palavra. Em Nome, uma evidência deste aspecto encontra-se na linguagem infantil, típica dos jogos e das quadras dos tempos de criança:

Cultura

NOME ARNALDO ANTUNES 07

O girino é o peixinho do sapo

O silêncio é o começo do papo

O bigode é a antena do gato

O cavalo é pasto do carrapato

 

O cabrito é o cordeiro da cabra

O pescoço é a barriga da cobra

O leitão é um porquinho mais novo

A galinha é um pouquinho do ovo

 

O desejo é o começo do corpo

Engordar é a tarefa do porco

A cegonha é a girafa do ganso

O cachorro é um lobo mais manso

 

O escuro é a metade da zebra

As raízes são as veias da seiva

O camelo é um cavalo sem sede

Tartaruga por dentro é parede

 

O potrinho é o bezerro da égua

A batalha é o começo da trégua

Papagaio é um dragão miniatura

Bactérias num meio é cultura

 

O livro/cd Nome reflete a influência do livro Eu e Outras Poesias, de Augusto dos Anjos, também percebida nos trabalhos dos Titãs. A poesia do poeta paraibano, publicada no início do século XX foi uma revolução na Lírica brasileira, exatamente por ser anti-lírica, apoética, por seu mau gosto, pelo vocabulário escatológico e pela sensação de estranheza que causa. São características de poemas significativos de Arnaldo Antunes, como Tato, que choca pelas imagens fortes, pelos referentes desagradáveis, críticos, talvez críticos demais para o ouvido acostumado à banalização e à superficialidade da cultura de massa.

NOME ARNALDO ANTUNES 08

o olho enxerga o que deseja e o que não

ouvido ouve o que deseja e o que não

o pinto duro pulsa forte como um coração

trepar é o melhor remédio pra tesão

um terço é muita penitência pra masturbação

a grávida não tem saudades da menstruação

se não consegue fazer sexo vê televisão

manteiga não se usa apenas pra passar no pão

boceta não é cu mas ambos são palavrão

gozo não significa ejaculação

o tato mais experiente é a palma da mão

 

o olho enxerga o que deseja e o que não

ouvido ouve o que deseja e o que não

depois de ejacular espera por outra ereção

o ânus precisa de mais lubrificação

por mais que se reprima nunca seca a secreção

o corpo não é templo, casa nem prisão

uns comem outros fodem uns cometem outros dão

por graça por esporte ou tara por amor ou não

velocidade se controla com respiração

o pau se aprofunda mais conforma a posição

o tato mais experiente é a palma da mão

 

o pinto duro pulsa forte como um coração

gozo não significa ejaculação

o ânus precisa de mais lubrificação

por graça por amor por tara ou pra reprodução

ouvido ouve o que deseja e o que não

velocidade se controla com respiração

trepar é o melhor remédio pra tesão

o tato mais experiente é a palma da mão

se não consegue fazer sexo vê televisão

o olho enxerga o que deseja e o que não

uns comem outros fodem uns cometem outros dão

 

A presença do Concretismo na obra de Arnaldo Antunes encontra-se no jogo de palavras, na exploração gráfica do texto, na busca da síntese, da concisão, no caráter não verbal do texto. Arnaldo Antunes tem uma ligação não apenas poética, nas de amizade com os concretistas. É um filho poético deles, sem depreciação ou demérito, afinal realizou um projeto à altura dos mestres. Hábil na conjugação dos aspectos visuais, sonoros, auditivos do signo, harmonizando significante e significado:

Dentro

 NOME ARNALDO ANTUNES 09

 Fênis

Fênis
Penix
….

NOME ARNALDO ANTUNES 10

 

 

Lançado em 1993, Nome, de Arnaldo Antunes, repercutiu na cena cultural do país.
Figura significativa do Rock nacional da década de 1980, ao lado dos outros Titãs, do pessoal Ira!, de Cazuza, de Renato Russo, de Humberto Gessinger, Arnaldo Antunes carregou, desde os trabalhos anteriores à banda e ao rock para tocar em rádios experiências performáticas, multimídia, revelando-se um vanguardista. Os Titãs traziam esta marca nas aparições na televisão e nos shows. Outra marca da banda e do compositor, que o cd/livro Nome apresenta, são as letras viscerais, escatológicas, que era um diferencial, se comparado ao lirismo de Renato Russo, e que são, se comparadas ao Pop atual e à poesia contemporânea.

Trabalhos, como os do poeta paulista Arnaldo Antunes, que exploram o verbal e o não verbal, o apelo sensorial, de forma tão visceral, são provas de maturidade para concretizar a Poética contemporânea. Arnaldo Antunes visa à renovação da poesia, mostrando que não se faz um poema apenas para a leitura com o olhar. O poema é para o tato, a audição, a visão, o olfato e o paladar. É para os sentidos físicos absorvê-lo e enviá-lo para a degustação do intelecto. E ele encontrou no mundo virtual, as ferramentas para a execução de sua obra.

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